A Torre

•agosto 22, 2009 • Deixe um comentário

Às vezes atraímos situações que nosso inconsciente pede, mas que o ego não está disposto a aceitar. O que fazer quando nosso maior contato interno com o divino bate de frente com nossa parte mais orgulhosa e carnal?

Mais uma vez chegou a hora da Torre, o fim de um majestoso monumento rumo às alturas. Tudo se quebra, nada se compreende, só identificamos em meio à desordem mental a estranha sensação de que a alma fez a escolha certa por nós.

Entre corpos e destroços, procuramos desesperadamente pelos restos daquela realidade que insistimos em construir, mesmo sabendo que ia contra nossos instintos. Será possível manter-se são em um ambiente totalmente novo, começando do zero com nossas certezas em pedaços?

À medida que a busca avança, reconhecemos novamente o chão sob nossos pés, do qual partimos em nossa jornada egoísta em busca do céu. Enquanto olhávamos para cima, não nos demos ao trabalho de construir uma única janela, um elo com a terra, e agora engatinhamos para conhecer novamente o terreno que servirá de começo para uma nova era.

Desperdiçando tempo

•julho 14, 2008 • 1 Comentário

 

Muito é falado sobre “não ter tempo”. Alguns afirmam que 24 horas não são suficientes para as atividades que gostariam de realizar. A simples idéia de parar e pensar torna-se então um absurdo para o homem moderno. Desenvolvimento não acontece no ócio, certo?

O ser humano trabalha pelo seu sustento, ganha conhecimento (e reconhecimento), garante um futuro confortável através do desenvolvimento profissional. A saúde é outra preocupação necessária, e o lazer entra na lista muitas vezes como forma de compensação pelo tempo “produtivo”, perdendo a sua devida importância.

Em meio a tantas tarefas para assegurar a ascensão nestes pilares, ficar parado significa ser atropelado pelo chamado “mundo pós-industrial”. O que falta para a grande maioria é a capacidade de gerar equilíbrio nesta relação, e o motivo é exatamente a pressa e a sensação de desperdício de tempo que a sociedade impõe. As pessoas não conseguem atingir o que o sociólogo Domenico de Masi chama de “ócio criativo”, um tempo de meditação e contato com o “eu interior”, o sincretismo entre as atividades de acordo com todas as dimensões que merecem atenção e desenvolvimento.

Para Luiz Caversan, toda esta má administração de tempo pode ser chamada de “síndrome do coelho da Alice”, sempre com pressa sem deixar claro aonde quer chegar. O jornalista descreve também o efeito sobre a imagem da vida sob esta ótica como “semelhante ao que ostenta a paisagem próxima à janela do veículo em alta velocidade: borrada, indefinida, fugaz, ininteligível”.

Se houvesse tempo para diminuir o ritmo e apreciar a paisagem ao invés de apenas enxergá-la de relance, talvez não fosse tão comum ouvir aquela velha história de “como eu era feliz naquele tempo que não volta mais”.

Vítima de quem?

•janeiro 21, 2008 • 1 Comentário

Crescemos observando modelos de comportamento que nos geram algum tipo de reação, e aos poucos vamos formando nossa base moral em torno das respostas que nosso inconsciente envia diante de determinadas circunstâncias.

Um papel recorrente, tanto nas histórias que nos foram contadas durante a infância quanto na mídia em geral, é a oposição carrasco-vítima. A vítima, injustiçada e maltratada, acaba sempre gerando empatia com o público, que se compadece com a situação da pobre criatura e imediatamente recrimina o carrasco, caindo na velha batalha do bem contra o mal. A situação onde esta personagem é posta desperta o sentimento de pena, enquanto seu repressor é marginalizado e tomado como exemplo negativo. No fechamento do enredo, para alívio do espectador, a vítima encontra uma maneira de acabar com o seu tormento e o carrasco sofre as conseqüências por seus atos.

Considerando a maneira como os fatos são contados, a tendência é seguir qual dos papéis? O politicamente correto, que contorna seus problemas através de acontecimentos aleatórios e consegue ser “feliz para sempre”, ou o monstro que começa por cima, desafia o herói a ponto de salvá-lo de sua “vítima interna”, e tem à sua frente um destino bem pior? Será que devemos escolher um dos lados?

Vivemos em um mundo de dualidades, e tudo, incluindo o homem, é feito de opostos. Realidades conflitantes coexistem em todos nós o tempo todo, e interpretações superficiais das histórias que permeiam nosso desenvolvimento criam um senso moral desnecessário e até mesmo prejudicial. No modelo acima, por exemplo, alguns descartam totalmente o valor do seu carrasco, aquele que desafia, que contesta, que age. Por que aceitar a sombra se é mais fácil identificar-se com aquele que é salvo pelos eventos, não toma atitudes, não sai do papel a ele imposto?  Claro que “o injustiçado” está em nós também. Todos sofremos, todos choramos, todos passamos por situações que não apresentam saída imediata. Cabe ao nosso “carrasco”, no entanto, impor um limite ao sofrimento e começar a renovação.

Nossa realidade é cruel e nossa tendência é se proteger. Instinto de sobrevivência é essencial ao ser humano. Vestir a carapuça da vítima interna muitas vezes tem suas vantagens, mas vale lembrar que nem sempre seremos resgatados pela fada madrinha ou pelo príncipe encantado. Cabe a cada um levantar com as próprias pernas e decidir até quando ficar de joelhos limpando o chão alugando o ouvido dos ratos.

Gênesis

•janeiro 17, 2008 • 1 Comentário

É o início de algo novo. Muitos podem achar a escolha do título estranha, pois o termo “gênesis” remete inicialmente a uma história que não acabou muito bem. A primeira leitura, considerando o contexto cultural, é realmente a interpretação literal que representa a decadência humana pela quebra das regras e a busca pelo conhecimento. Uma leitura mais profunda, no entanto, pode agregar um valor para muitos inexistente no contato inicial com o “mito da criação”.

Como cenário, um mundo perfeito e eterno, onde todas (as duas) pessoas sentem-se satisfeitas, sem qualquer tristeza ou remorso. Enfim, o paraíso. Em uma análise livre de paradigmas e preconceitos, faz-se possível uma interpretação bem menos atraente: a perfeição é a de uma situação sem desafios, onde impera o comodismo e, conseqüentemente, a falta de perspectiva. Eterno remete à ausência da morte, principal causadora da mudança e da renovação. Resumindo: por mais que o chamado “paraíso” fosse um tédio absurdo em uma redoma de proteção divina, o casal permanecia alienado, sem contestar a situação, fazendo absolutamente nada. 

Em um de seus passeios, Eva, como era chamada a mulher, deparou-se com a árvore da Ciência do Bem e do Mal. Imediatamente seus olhos focaram as tentadoras maçãs que ali cresciam. Claro que, pela curiosidade inerente ao ser humano, era o único fruto que seu criador a proibira de comer. Adão, o homem, também não resistiu à idéia. Ao abocanhar a tal “ciência”, o casal foi jogado em um mundo onde a morte é algo real, um mundo onde cada minuto deve ser aproveitado como se fosse o último, pois eventualmente será. Nesta nova realidade, atos geram conseqüências e pessoas são responsáveis por suas escolhas.

“Eva” significa “vida”, e era exatamente esta a função da esposa de Adão. Sem a vida, não há morte, e vice-versa. Eva nada mais fez do que seguir seus instintos, aquilo que a fazia humana. De fato o homem está preso ao pecado original, pois é movido a desejos e sensações. Como Adão e Eva, nascemos em um ambiente de proteção, onde tudo nos é dado e não precisamos ter opiniões. Nesta fase infantil, não há senso moral para discernir certo e errado. Aos poucos, a curiosidade mostra novas possibilidades, com atos, conseqüências e responsabilidades, e estes trazem a famigerada “ciência do bem e do mal”. Considerando a interpretação literal desta grande metáfora, não é de se espantar que muitos neguem o processo natural chamado “amadurecimento”, e permaneçam presos ao éden familiar.

Bem aventurados os que desenvolvem a coragem para seguir os passos da vida, morder a maçã proibida e abandonar o paraíso. Assim começa um novo capítulo…